segunda-feira, janeiro 15, 2007

LER JORNAIS É... SABER MAIS - ABORTO -


Os preços do aborto



2007-01-13 - 15:00:00

Reportagem CM

As parteiras de vão de escada estão em extinção.
Hoje, o aborto clandestino faz-se em habitações equipadas para o efeito.
O preço vai dos 400 aos 750 euros. Nas clínicas que actuam dentro da lei, a interrupção da gravidez fica, regra geral, mais cara.
Pode atingir os 1000 euros. Uma prática que está a diminuir com a chegada do Cytotec. Compreende-se. É doloroso, mas custa bem menos: 25 euros.


O olhar ainda turva quando recorda as palavras da enfermeira que descobriu o segredo não revelado: “É mais fácil fazê-los do que matá-los.”
Deitada numa cama de hospital a esvair-se em sangue, Elsa (nome fictício) pede ao tempo que ande mais depressa e a leve daquele calvário.
Nunca se sentira tão humilhada, tão só, tão desprezada. Decidiu interromper a gravidez, às 12 semanas, e não está arrependida, mas jamais imaginara um aborto tão complicado. “Recorri à Women on Waves.
O processo tradicional é muito caro e coloca sempre a questão do local. Fui ao ‘site’ da organização, preenchi um questionário e passada uma semana já tinha os medicamentos.”
Pagou 70 euros pelos comprimidos: o Mifepristone (conhecido RU-486 ou Mifeprex) e o Misoprostol (mais conhecido por Cytotec).
O primeiro pára a gravidez, o segundo expulsa o feto do corpo.
Está indicado para problemas de estômago, mas tem efeitos abortivos quando tomado em determinadas doses.O método revela-se eficaz, na maioria dos casos, mas provoca dores e geralmente dá hemorragia, obrigando a uma ida à urgência para estancar o sangue, para limpar.
Um sacrifício que Elsa, 24 anos, aceitou e um risco que voltaria a correr.
“Não era viável, como hoje não seria, levar a gravidez até ao fim. Estou a terminar o curso, o meu namorado está a estudar no estrangeiro.”
Elsa deixou a enfermaria no dia seguinte ao internamento e jurou nunca mais pôr os pés naquele hospital. Abatida e com dores, passou um mês de cama aos cuidados da mãe.
Regressou à vida normal em finais de Outubro passado.
“Por questões de saúde não posso tomar a pílula, mas protegemo-nos sempre. Alguma coisa falhou com aquele preservativo.”
Maria (nome fictício) não usa preservativo nas suas relações sexuais nem qualquer outro tipo de anticoncepcional.
Vive num bairro pobre do grande Porto, muito pobre, com problemas de toxicodependência, álcool, violência, subnutrição. Voltou a engravidar. Voltou a abortar. Também recorreu ao Cytotec e também foi parar ao hospital.
Não se sabe quanto tempo de gestação tinha o feto, mas é seguro que não estava no início da gravidez. Fala-se em três meses, talvez mais.
Maria esteve internada oito dias. Passou mal, chegou a temer-se o pior.No passado recente, o ‘problema’ tinha sido resolvido no interior do bairro, em sua casa ou na do lado. Eram as mãe que faziam o aborto às filhas ou recorria-se a uma vizinha mais experiente.
Com o aparecimento do Cytotec, as parteiras de vão de escada entraram em vias de extinção.
Toma-se os comprimidos e acabou.
Mesmo que os efeitos se revelem bem dolorosos e não isentos de risco.
Elsa adquiriu-o via Women on Waves, mas, diz quem sabe, há sempre um médico que passa a receita ou uma farmácia que o vende sem ela.
O preço varia entre os 25 e os 30 euros, caixa de 60 comprimidos. “Eu paguei 70 euros porque na Women on Waves quem pode pagar paga dois abortos. O seu e o de quem não tem possibilidades.”Maria não conhecia o medicamento e muito menos tinha dinheiro para o comprar. Foi Celina (no-me fictício) quem o arranjou. É ela que os distribui, gratuitamente, a quem está grávida lá no bairro e não quer ter filhos. Às vezes até os arranja para gente de bairros vizinhos. “Tenho uma pessoa amiga que me traz do hospital. Isto tem de ser tudo à socapa, que aqui não há dinheiro para comprar essas coisas e planeamento familiar não existe”, conta. São quase sempre raparigas novas, como a Maria, que recorrem a Celina. “As mais velhas deixam-nos vir e depois andam por ai, ao abandono, à fome.”CONVERSA SIMPLESA 350 quilómetros de distância, no segundo esquerdo de um prédio antigo de Cascais, a azáfama é grande.
Há caixotes e sacos espalhados por divisões exíguas, envoltos numa nuvem de pó que teima em não assentar. “Ainda será aqui”, pergunta Ana (nome fictício), ao companheiro, enquanto este observa o movimento. A maca ginecológica que ocupa boa parte da divisão mais pequena do apartamento ajuda a esclarecer a dúvida. “Bom dia, o que desejam”, questiona uma senhora, muito antipática, a despachar. “Estou grávida.
Há uns anos foi aqui que me resolveram o problema”, informa Ana. “Andamos em mudanças, mas vou chamar a enfermeira...” De cigarro entre os dedos, Matilde (nome fictício) leva o casal para o que resta da sala de atendimento. Ana começa a contar-lhe a história da vida, mas Matilde está pouco interessada em pormenores. Ao cabo de 30 segundos de conversa, nem isso, dispara: “Traz ecografia”? Ana diz que não, mas tem o cuidado de esclarecer que vai na segunda falha. “Minha filha, sem ecografia nada feito.”O fumo do cigarro tapa-lhe as feições. Ana olha para o companheiro, que permanece de pé e não merece sequer um olhar de Matilde. “Vamos fazer o seguinte.
Ao fim da tarde, lá para as seis, seis e meia, vai à clínica [...] e pergunta por mim. Mas só pergunta por mim. Fazemos a ecografia e resolvemos o problema hoje mesmo”, diz a parteira.Ana quer saber quanto custa. “Mil e tal euros, já com a ecografia incluída. Tudo vai depender da ecografia, mas nunca menos de mil e tal euros.”A clínica, onde se efectuam consultas de várias especialidades, parece ter todas as condições para realizar um trabalho seguro. Bem mais agradável do que aquele segundo esquerdo, onde se realizaram abortos durante anos. Este edifício é novo e o interior tem um ar limpo e arejado.


CONTACTOS

Mas Ana, que já fez quatro abortos, acha o preço demasiado alto.

Mais de 200 contos, em moeda antiga, ainda é dinheiro. Pega na agenda e liga a Joana (nome fictício), a enfermeira que lhe fez o primeiro desmancho, hoje retirada da actividade. Foi um aborto indolor, ao contrário do terceiro, em que a morte chegou a passear-se pelo quarto. “Olá, há quanto tempo, está boa?” O mundo do aborto clandestino funciona por códigos. A palavra aborto, aliás, nunca é referida nos contactos. Há sempre uma certa desconfiança em relação a quem está do outro lado da linha e, sobretudo, a suspeita de que se possa estar sob escuta.

Os números das ‘abortadeiras’ não vêm na lista telefónica, mas não são difíceis de obter: há sempre alguém que conhece alguém que o fez e ficou com o número de quem o faz.“Está tudo bem. Quer dizer, estou grávida outra vez”, diz Ana, que confia no Cytotec mas está pouco disposta a sofrer os efeitos provocados pelo medicamento.

O processo antigo, quando bem feito, é seguro e não custa nada, garante. Ou seja, quem tem dinheiro, continua a preferir o aborto cirúrgico.“Então tome nota, tem onde apontar?”, diz a parteira.Um a um vão-se soltando nomes e números. Todos de enfermeiras. É só pegar no telemóvel e marcar. “Muito boa tarde, venho da parte de...”Com recomendação, tudo fica mais simples.

Não tem nada a ver com a frieza e insensibilidade de Matilde e a factura é bem menos pesada do que o preço do aborto na clínica por esta indicada.Quem está do outro lado da linha quer saber em quantas semanas vai a gravidez – a maioria só faz até às 10/12 semanas – e recomenda que se leve ecografia.Ninguém pergunta a idade, o estado civil ou o que leva Ana a abortar. Nem sequer o nome é para aqui chamado. Só no fim, quando se trata de fazer a marcação, é que se pergunta em que nome fica. O mais importante é saber quando o deseja fazer. “Mas não quer fazer amanhã? De certeza? Veja lá... é rápido e corre tudo bem. Não tenha problemas.”Os preços aplicados por estas parteiras variam. Em Queluz, por exemplo, pediram a Ana entre 400 a 500 euros, em Lisboa o aborto ficava pelos 750 euros.Esta discrepância resulta dos custos inerentes à realização da ecografia – a enfermeira de Queluz não exigia, ao contrário da de Lisboa – e não tanto das condições em que se realiza o aborto. O método de extracção do feto é sempre o mesmo: anestesia (local ou geral) seguida de aspiração, um processo relativamente rápido.Basicamente, estas parteiras exercem a actividade clandestina num nível intermédio. Não fazem abortos em vãos de escada, mas também não têm as estruturas das clínicas que realizam a interrupção voluntária da gravidez.

Funcionam em andares de habitação normais, com as diversas divisões da casa adaptadas à função: uma sala de espera, um quarto para fazer o aborto, outro para a paciente descansar e, eventualmente, um pequeno gabinete de atendimento.Ana optou pela enfermeira de Lisboa. A clínica fica bem situada e as recomendações não podiam ser melhores. “Tem óptimas condições. É como a que tinha aí em Lisboa”, sublinha Joana.Estas casas funcionam um pouco por todo o País, com preços semelhantes. No Algarve levam entre 600 e 750 euros e no Norte anda pelo mesmo, embora em Braga, por exemplo, seja possível fazer um aborto por valores inferiores, na casa dos 300 a 400 euros. No Alentejo, a opção vai para a Clínica dos Arcos, em Badajoz. É perto, é segura e o preço ronda os 550 euros.


MAIS CAROS NAS CLÍNICAS

Nas clínicas privadas onde se faz a interrupção voluntária da gravides o aborto é praticado a coberto das situações previstas na lei, o que não quer dizer que não se cometam alguns atropelos.“Boa tarde. Queria marcar uma consulta para o doutor...”

No caso desta clínica do Norte, a palavra de código é o nome do clínico.

Não se sabe sequer se existe algum médico com esse nome, mas quem pede uma consulta para ele já se sabe para o que é.

De tal forma que nem é necessário falar em gravidez e muito menos de aborto. O número, de resto, é directo, não passa sequer pela telefonista.“Tem de ligar amanhã entre as 09h00 e as 15h00”, ouve-se do outro lado, sem mais acrescentos.Esta é uma clínica famosa, onde se fazem mais de 500 abortos por ano.
Tem as mais variadas especialidades e, conta quem lá abortou, todas as condições.“Bom dia. É para marcar uma consulta para o doutor... É para a minha mulher.”
A voz que atende é diferente da do dia anterior. Mais velha, mais madura, mas igualmente áspera. “Quer para amanhã? Só lhe dá jeito para a semana? Diga-me o nome da pessoa, o primeiro e o último e de onde é que vem.”Satisfeita a vontade, seguem-se as indicações, sempre de uma forma fria e distante. “Então fica marcada para as 09h00 de quarta-feira. Tem de vir em jejum (os abortos fazem-se em jejum), trazer bilhete de identidade e o grupo sanguíneo.”A consulta para o doutor... fica em 550 euros, preço base. Para uma clínica este preço pode ser considerado competitivo. Na generalidade dos casos o custo de um aborto numa clínica privada é razoavelmente superior, na casa dos 750 euros, mas podendo chegar aos mil e até mais. Segundo a responsável de uma organização não governamental, é a Norte, nomeadamente na Área Metropolitana do Porto, que os abortos e clínicas são mais caros.Diana (nome fictício) recorreu ao doutor... e ficou impressionada com o atendimento. “É tudo muito simples. Aparecemos à hora marcada e somos encaminhadas para uma sala de espera, onde uma enfermeira vem ter connosco. Pagamos, assinamos um termo de responsabilidade e somos levadas para um outro local, mais reservada. Não esperamos muito tempo. Fazem-nos uma ecografia, vamos para um quarto e põem-nos a soro, antes de irmos para sala de operações, toda xpto. A partir daqui não me lembro de mais nada. Dão-nos uma anestesia e só acordamos no quarto. Recuperamos da intervenção e vamos embora”, conta. “Antes de sair, deram-me uns medicamentos para tomar e um cartão com o número de telefone, para o caso de surgir algum problema”.Diana garante que o aborto foi realizado sem preencher nenhuma das situações permitidas por lei. “Não queria o bebé, é simples. Ninguém me fez perguntas nem desaconselhou, nem coisa alguma. Cheguei lá, paguei, assinei o papel, fiz o aborto e saí.”


DESPENALIZAR ATÉ ÀS DEZ SEMANAS

“Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?” É sobre esta questão que os portugueses se vão pronunciar no dia 11 de Fevereiro. Recorde-se que, até 1984, a interrupção da gravidez era punível em qualquer circunstância. Em 1984, o Parlamento aprovou uma lei que excluía da ilicitude alguns casos (perigo de morte ou lesão grave da saúde da mulher, malformação do feto e violação). Em 1997 são apresentados na Assembleia novos projectos de despenalização, mas não foram aprovados. Em 1998, os portugueses pronunciaram-se sobre a interrupção até às dez semanas. O referendo foi marcado por elevada abstenção. Nada se alterou.


EVOLUÇÃO DO FETO DURANTE AS PRIMEIRAS DEZ SEMANAS DE VIDA4 SEMANAS

É um conjunto de células que pode medir quatro a seis centímetros. Não chega a pesar um grama. Em caso de necessidade de aborto pode usar-se o método de sucção (aspiração do colo do útero).


8 SEMANAS

Já se nota as saliências do que serão os braços e pernas. O rosto começa a desenhar-se. Mede 27 a 35 milímetros. Além da aspiração, pode recorrer-se à raspagem, um método mais perigoso.



10 SEMANAS

O feto mede cerca de 6 cm e pode pesar cerca de 14 gramas.
Segundo alguns especialistas, o feto e todos os órgãos vitais estão formados. O coração bate e é possível registar os batimentos.


ALENTEJO E ALGARVE VÃO A ESPANHA

Muitas portuguesas continuam a recorrer a Espanha para abortar, sobretudo as que vivem no Alentejo – mas também no Algarve. No último ano mais de quatro mil mulheres atravessaram a fronteira para fazer o desmancho em Badajoz, na já famosa Clínica dos Arcos.
É perto, seguro e os preços são mais baixos do que os praticados nas clínicas portuguesas que fazem a interrupção voluntária da gravidez e até dos da maioria das parteiras que actuam na clandestinidade. Com anestesia local, varia entre os 360 e os 400 euros; com anestesia geral, o montante sobe para os 450 a 540 euros.
Independentemente do resultado do referendo do próximo dia 11 de Fevereiro, os responsáveis da clínica já anunciaram que vão abrir em Lisboa, durante o primeiro semestre deste ano, uma unidade similar. No caso do Algarve, a opção vai para Huelva ou Cádis, onde a rede Polliplaning, por exemplo, pratica a interrupção voluntária da gravidez ‘sem alto risco’ (até às 12 semanas) e ‘com alto risco’ (até às 22) de gestação, por preços que variam entre os 400 e os 500 euros. Calcula-se que, todos os meses, cerca de 30 portuguesas se dirijam à Polliplaning para realizar um aborto. Tal como em Portugal, Espanha permite o aborto em situações de “grave perigo para a vida ou saúde física ou psíquica da gestante” – embora aqui sem limite de tempo de gestação. Um argumento largamente utilizado, no país vizinho, para a prática do aborto.


INTERRUPÇÃO É PERMITIDA EM TRÊS CIRCUNSTÂNCIAS

São três as circunstâncias em que é permitida a interrupção da gravidez: quando constitui o único meio de evitar perigo de morte ou de lesões irreversíveis para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e desde que realizada nas primeiras 12 semanas; quando se sabe que o bebé pode vir a sofrer de doença incurável ou de uma malformação e for realizada nas primeiras 16 semanas; quando a gravidez resulta de violação, caso em que tem de ser realizada nas primeiras 12 semanas. Estas situações têm de ser certificadas em atestado médico antes da intervenção, por médico diferente daquele por quem a interrupção é realizada. O consentimento tem de ser prestado em documento assinado pela mulher grávida e, sempre que possível, com três dias de antecedência relativamente à data da intervenção.


POUCOS CASOS CHEGAM À JUSTIÇA

É enfermeira e esteve ligada ao aborto clandestino durante 20 anos. Realizava-o na área da grande Lisboa, em dois locais distintos. Denunciada, foi apanhada em flagrante. Cumpriu um mês de prisão em Tires. Andou meio ano com pulseira electrónica. Aguarda o desfecho do processo. Luísa (nome fictício) foi das poucas mulheres apanhadas nas teias da lei. Tanto do lado de quem o praticou como de quem abortou. Neste último caso, segundo dados divulgadas pelo Ministério da Justiça, entre 1997 e 2005 foram constituídas arguidas pela prática de crime contra a vida ultra-uterina (aborto ou aborto agravado) 37 mulheres e condenadas 17. Nenhuma foi presa. As penas foram substituídas por multas ou ficaram suspensas. Os dados de 2005 e 2006 não estão disponíveis. De referir que, de acordo com a Associação Portuguesa para o Planeamento da Família, em 2005 perto de 18 mil portuguesas terão interrompido a gravidez.


"GANHO 200 EUROS POR CADA ABORTO QUE FAÇO"

C., enfermeira, faz abortos clandestinos “há uns anos”, por questões monetárias. Leva entre 400 e 450 euros por cada um. Metade é lucro.

Correio da Manhã
– Há quanto tempo faz abortos clandestinos?

Enfermeira C.
– Há uns anos.

– Por que o faz?
– Não escondo que é por questões monetárias, mas não só: é uma ajuda que alguém tem de prestar. As pessoas precisam, é uma necessidade.

– Quanto leva por cada aborto?
– Entre 400 a 450 euros.

– Qual a percentagem de lucro?
– Sensivelmente metade, cerca de 200 euros. Gasta-se muito...

– Em quê?
– A anestesia é caríssima e não se vende nas farmácias. Vem de Espanha, adquire-se no mercado paralelo, ou seja, fica mais cara ainda. Anda na casa dos 50 euros. Depois há uma vacina, a Rogan, que tem de ser administrada no caso de a interrupção ser feita em sangue negativo. Se essa vacina não for tomada, os futuros filhos podem ter problemas. Essa vacina ronda, também, os 50 euros. Finalmente, os custos inerentes ao sítio onde se pratica.

– É fácil arranjar sítio?
– Nada fácil. Temos de comprar uma casa. Ninguém aluga uma casa para fazer abortos. Compramos uma casa e adaptamo-la. E temos de pagar a uma empregada, que não ganha o mesmo que uma empregada normal. Corre riscos, tem de ser paga acima da média.

– Quantas pessoas fazem o aborto?
– Duas pessoas.

– E a compra de material?
– É adquirido em serviços de venda de material hospitalar.

– Como é a casa onde faz os abortos?
– Tem uma sala, um quarto e um compartimento mais pequeno. A sala é de espera, o compartimento mais pequeno para fazer o aborto. O quarto é para a paciente descansar.

– O local requer condições de higiene especiais?
– Sem dúvida, mas a minha experiência em hospitais deu-me conhecimentos nessa matéria. O material tem de ser muito bem esterilizado e o local desinfectado. Nada é utilizado sem primeiro ter passado pelos 280 graus.

– Quem acompanha a parturiente?
– Há de tudo: umas vezes vêm sozinhas, outras com o pai, a mãe, o marido, o companheiro, depende.

– Quantos abortos faz actualmente?
– Talvez uma média de um por dia, cinco por semana. Hoje fazem-se muito poucos.

– Até hoje houve algum que lhe correu mal?
– Nunca.

– O que faz ao que é retirado?
– Vai para a sanita. Aquilo é uma pinguinha de sangue...

– Quem são as suas pacientes?
– Aparece de tudo, mas nos últimos anos a faixa etária mudou. Antes havia imensas jovens, hoje são mulheres a partir dos 30 anos. As pessoas estão muito ilucidadas, muito conscientes acerca dos efeitos da pílula conjugados com o tabaco. Faz muito mal e pode conduzir a problemas cardiovasculares. Receosas, deixam de tomar e acabam por engravidar.

– Quanto tempo demora a fazer um aborto?
– No máximo dez minutos.

– Que técnica utiliza?
– A aspiração.

– Antes não era esse o método
Não, era a raspagem. Mas eu sempre fiz através da aspiração. O meu aparelho veio da China. Há 15 anos que tenho aspirador.

– Pede sempre ecografia?
– Recomendo sempre. Não temos Raios X nos olhos. Se a pessoa não leva é com ela. –
A anestesia é geral?
– Depende. Há quem queira e quem não queira. Eu não acho que seja necessário.

– Até que altura faz abortos?
– Até às dez semanas. Mais do que isso não. Mas há quem faça para além desse tempo.

– Porque não faz até mais tarde?
– Por uma questão de consciência. A partir das dez semanas um feto entra em sofrimento e não se deve fazer.

– A recuperação da pessoa é rápida?
– Meia hora. Depois vai pa-ra casa.

– Faz algum acompanhamento posterior?
– Recomendo sempre que se faça uma ecografia após o aborto. Se houver algum problema estou comunicável dia e noite.

– E ligam muito?
– Sim, por qualquer coisinha. Mesmo que tenham uma dor de dentes...

– E se as coisas se complicarem?
– Temos um médico que trabalha connosco que acompanha a situação.

– A pílula do dia seguinte e a pílula abortiva fizeram diminuir os abortos?
– A pílula do dia seguinte não dá nada e a abortiva ‘não existe’. O que resolve é o Cytotec. Os abortos diminuíram para um décimo com a entrada no mercado deste medicamento. Não há ninguém que vá a uma parteira sem primeiro ter tentado o Cytotec.

– E resulta?
– Em 80 por cento dos casos resulta. E resulta com qualquer tempo. A venda é mais ou menos livre...

– O aborto provocado pelo Cytotec é diferente?
– Muito diferente. O Cytotec dá muita hemorragia e dores de ‘morte’. Além de que, regra geral, não invalida uma ida ao hospital para limpar. É muito perigoso.

– Se o referendo der ‘sim’ admite abrir uma clínica?
- Sim, superlegal.


ESTUDO SOBRE A PRÁTICA DO ABORTO EM PORTUGAL

Um estudo divulgado pela Associação para o Planeamento Familiar revela que 14,5 por cento das portuguesas (cerca de 350 mil) já abortou.

Envolveu entrevistas a 2000 mulheres de todo o País, com idades entre os 18 e os 49 anos. Foram conduzidas pela Consulmark. Decorreu entre 6 de Outubro e 10 de Novembro. A margem de erro associado, para um intervalo de confiança de 95 por cento, é de 2,2 por cento.


QUAIS OS MOTIVOS QUE LEVARAM À DECISÃO DE ABORTAR?

Era muito jovem: 17,8%

As condições económicas não o permitiam: 14,1%

Por não desejar ter filhos: 13,2%

Tinha tido um filho à pouco tempo: 10,4%

Companheiro rejeitou gravidez: 9,4%

Instabilidade conjugal: 9,1%

Pressões familiares: 8%

Problemas de saúde: 4,2%

Malformações do feto: 3,3%

Já não tinha idade para ter filhos: 2,6%

Outro motivo: 8,1%


ONDE OBTEVE INFORMAÇÕES SOBRE O LOCAL ONDE FEZ O ABORTO?

Através de pessoas amigas: 72,5%

Através de um profissional de saúde: 22,7%

Através de anúncio num jornal: 1,1%

Através da internet: 0,3%

Outra forma: 3,4%


ONDE FOI REALIZADO O ABORTO?

Numa casa particular: 39,4%

Clínica privada: 32,2%

Consultório médico: 18,2%

Hospital público: 6,9%

Em casa: 1,3%


QUEM A ACOMPANHOU

Marido/Companheiro: 34,2%

Familiar: 28,5%

Uma pessoa amiga: 24,7%

Outra pessoa: 3%

Ninguém: 9,5%


EM QUE CIRCUNSTÂNCIAS ENGRAVIDOU?

O método contraceptivo que estava a usar falhou: 20,8%

Não estava a usar qualquer método contraceptivo: 46,1%

Descuido ('enganou-se' nas contas): 15%

Não faz ideia/Não sabe explicar: 18,1%


QUE IDADE TINHA QUANDO FEZ O PRIMEIRO ABORTO?

De 13 a 16 anos: 3,8%

De 17 a 20 anos: 30%

De 21 a 24 anos: 20,6%

De 25 a 34 anos: 35,6%

De 35 a 46 anos: 10%


PRÁTICA DO ABORTO POR REGIÃO

Norte: 12%

Centro: 17,1%

Lisboa: 16%

Sul: 19,7%

Portugal Insular: 3,5%


CUSTOS EM PARTEIRAS E CLÍNICAS

Braga: 300 euros. Preço praticado por algumas parteiras. Nas clínicas o valor sobe para os 800 euros.

Aveiro: 550 euros. Preço base praticado por uma das clínicas privadas mais procuradas do País.

Cascais: 1200 euros. Preço indicativo praticado por uma clínica privada, sempre superior a 1000 euros.

Queluz: 450 euros. Preço praticado por uma enfermeira. O aborto é feito numa casa equipada.

Lisboa: 750 euros. Preço praticado em casa adaptada a clínica. Há clínicas que levam menos: 550 euros.

Porto: 750 euros. É o mínimo nas clínicas, havendo um caso em que é superior aos 1000 euros.

Algarve: 1000 euros. Preço praticado em clínicas. Algumas levam menos, o mesmo que parteiras: 750 euros.


DADOS DA ASSOCIAÇÃO DO PLANEAMENTO FAMILIAR

14,5%. Portuguesas em idade fértil que já terão abortado: cerca de 350 mil.

85,7%.Interrompeu a gravidez em Portugal; 39,4 por cento em casa particular.

27,9%. Não usou preservativo nem qualquer outro método de contracepção.

72,7%. Mulheres que interromperam o aborto até às dez semanas de gestação.

34,2%. Foram acompanhadas pelo marido/companheiro;

28,5% por familiar.

29,4%. Sentiu muitas dores durante o aborto cirúrgico;

31,9% sentiu algumas.

56,5%. Teve hemorragias;

43,6% problemas emocionais;

19,1% infecções.

45%. O aborto foi feito por um médico; 30,6 por uma parteira;

13% enfermeira.

Paulo João Santos






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