sexta-feira, fevereiro 02, 2007

NO PAÍS DE ABRIL (AINDA) HÁ BARREIRAS MIL

No número 1784 do Jornal Expresso, publicado no passado dia 6 deJaneiro, o colunista Miguel Sousa Tavares desferiu um violentíssimo ataque contra os professores (que não queriam fazer horas de substituição), assim como contra os médicos (que passavam atestadosfalsos) e contra os juízes (que, na relação laboral, pendiam para osmais fracos e até tinham condenado o Ministério da Educação a pagar horas extraordinárias pelas aulas de substituição).
Em qualquer país civilizado, quem é atacado tem o direito de se defender.
De modo que aprofessora Dalila Cabrita Mateus, sentindo-se atingida, enviou aoDirector do Expresso, uma carta aberta ao jornalista Miguel Sousa Tavares.
Contudo, como é timbre dum jornal de referência que aprecia o contraditório, de modo a poder esclarecer devidamente os seusleitores, o Expresso não publicou a carta enviada.
Aqui vai, pois, a tal Carta Aberta, que circula pela Net.
Para que seja divulgada mais amplamente, pois, felizmente, ainda existe em Portugal liberdade de expressão.
Carta duma professora
«Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de ler textos escritos pelo jornalista Miguel Sousa Tavares. Anoto que escreve sobre tudo emais alguma coisa, mesmo quando depois se verifica que conhece mal os problemas que aborda.
É o caso, por exemplo, dos temas relacionadoscom a educação, com as escolas e com os professores.
E pensava eu queo código deontológico dos jornalistas obrigava a realizar um trabalhoprévio de pesquisa, a ouvir as partes envolvidas, para depois escreversobre a temática de forma séria e isenta.
O senhor jornalista e a ministra que defende não devem saber o que éter uma turma de 28 a 30 alunos, estando atenta aos que conversam com os colegas, aos que estão distraídos, ao que se levanta de repentepara esmurrar o colega, aos que não passam os apontamentos escritos noquadro, ao que, de repente, resolve sair da sala de aula.
Não sabe otrabalho que dá disciplinar uma turma.
E o professor tem várias turmas.
O senhor jornalista não sabe (embora a ministra deva saber) o enorme trabalho burocrático que recai sobre os professores, a acrescerà planificação e preparação das aulas.
O senhor jornalista não sabe(embora devesse saber) o que é ensinar obedecendo a programas baseadosem doutrinas pedagógicas pimba, que têm como denominador comum o ódiovisceral à História ou à Literatura, às Ciências ou à Filosofia, quesubstituíram conteúdos por competências, que transformaram a escola em lugar de recreio, tudo certificado por um Ministério em que impera a ignorância e a incompetência.
O senhor jornalista falta à verdadequando alude ao «flagelo do absentismo dos professores, sem paraleloem nenhum outro sector de actividade, público ou privado».
Tal falsidade já foi desmentida com números e por mais de uma vez.
Além do que, em nenhuma outra profissão, um simples atraso de 10 minutossignifica uma falta imediata.
O senhor jornalista não sabe (embora aministra tenha obrigação de saber) o que é chegar a uma turma que se não conhece, para substituir uma professora que está a ser operada e ouvir os alunos gritarem contra aquela «filha da puta» que, segundoeles, pouco ou nada veio acrescentar ao trabalho pedagógico que vinhaa ser desenvolvido.
O senhor jornalista não imagina o que é leccionarturmas em que um aluno tem fome, outro é portador de hepatite, umterceiro chega tarde porque a mãe não o acordou (embora receba orendimento mínimo nacional para pôr o filho a pé e colocá-lo na escola), um quarto é portador de uma arma branca com que está a ameaçar os colegas.
Não imagina (ou não quer imaginar) o que éleccionar quando a miséria cresce nas famílias, pois «em casa em quenão há pão, todos ralham e ninguém tem razão».
O senhor jornalista não tem sequer a sensibilidade para se por no lugar dos professores e professoras insultados e até agredidos, em resultado de um clima deindisciplina que cresceu com as aulas de substituição, nos moldes emque estão a ser concretizadas.
O senhor jornalista não percebe a sensação que se tem em perder tempo, fazendo uma coisa que pedagogicamente não serve para nada, a não ser parafazer crescer aindisciplina, para cansar e dificultar cada vez mais o estudo sério doprofessor.
Quando, no caso da signatária, até podia continuar a ocupar esse tempo com a investigação em áreas e temas que interessam ao país.
O senhor jornalista recria um novo conceito de justiça.
Não castiga odelinquente, mas faz o justo pagar pelo pecador, neste caso o geraldos professores penalizados pela falta dum colega.
Aliás, o senhor jornalista insulta os professores, todos os professores, uma castacorporativa com privilégios que ninguém conhece e que não quertrabalhar, fazendo as tais aulas de substituição.
O senhor jornalista insulta, ainda, todos os médicos acusando-os de passar atestados, em regra falsos.
E tal como o Ministério, num estranho regresso aopassado, o senhor jornalista passa por cima da lei, neste caso o antigo Estatuto da Carreira Docente, que mandava pagar as aulas de substituição. Aparentemente, o propósito do jornalista Miguel Sousa Tavares não era discutir com seriedade.
Era sim (do alto da suaarrogância e prosápia) provocar os professores, os médicos e até osjuízes, três castas corporativas.
Tudo com o propósito de levar a água ao moinho da política neoliberal do governo, neste caso do Ministério da Educação.

Dalila Cabrita Mateus
Professora, doutora em História Moderna e Contemporân

In: My e-mail
De: chamuar 1945 (Mensagem original)
Enviado: 31/1/2007 20:44


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